Tinham-nos avisado que o limpa pára-brisas do nosso carro devia ter bastante
água na aproximação a Ndalatando, na viagem às quedas de água, por causa de uma
espécie de praga de borboletas.
Na ida, fomos recebidos por um bando de borboletas de cor pérola,
lindíssimas, que a juntar às outras experiências da viagem, queriam fazer-nos
acreditar que estávamos a viver uma utopia.
No regresso a casa, surgiram borboletas diferentes, de cor castanha e cobre,
muito maiores, igualmente lindas, mas mais aventureiras. Uma bateu-nos com
força no pára-brisas, vinda de surpresa, o que nos deixou tristes. Não queríamos
matar nenhuma. Muito menos ficar a vê-la durante toda a viagem!
Quando parámos o carro, porém, a borboleta mexeu-se e a esperança de a
recuperar também. Era muito difícil mas agarrei nas asas com o máximo cuidado que
se pode ter perante aquela fragilidade e retirei-a de lá. Fiquei a segurá-la na
mão, a aguardar sinais de vida, enquanto metade da minha sande do almoço,
entretanto interrompido, ficara no assento esquecida, eu olhava a mão.
A borboleta tentava voar, batendo as asas freneticamente, com vontade de
viver, mas sem grandes possibilidades. Tinha coragem, mas não tinha forças.
Fiquei a observá-la enquanto aguardava que o Pedro abastecesse para, na próxima
oportunidade, poder devolvê-la à natureza, a quem pertence.
Bateu-me no vidro uma mulher jovem. Chamou-me mulata e pediu-me a sande que
viu no meu assento. De forma directa disse-me “eu tenho fome e tu tens aí isso,
podias dar-me!”
Não sei explicar porquê mas não me mexi. Não sei se por causa da forma
directa e objectiva com que ela se dirigiu a mim, se por causa da fragilidade
da borboleta e da minha, não me mexi.
Hoje não me apeteceu jantar… Fui para a cama… Caiu uma lágrima.
Nem sempre podemos voltar atrás para corrigir uma reacção. Fiz o que devia
ter feito no caso da borboleta… mas quando olhei de novo para o lado, a mulher
já lá não estava. Não posso deixar de partilhar a tristeza, a frustração, por
não ter agido imediatamente para matar a fome, como para ajudar uma borboleta
que o mais provável é não ter sobrevivido.
Eu podia ter ficado sem o resto da sande o resto da tarde… será que ela conseguiu
almoçar? E será que alguém a vai ajudar amanhã?
Enquanto a borboleta cabia na
minha mão… isto já não cabe.
Fazer alguma coisa em África, não é fazer o suficiente. Num
continente com tantos recursos naturais, com tanta possibilidade de
auto-subsistência, riquezas como petróleo, ouro e diamantes… porém com tanta
ganância humana!
Num mundo com a capacidade de matar a fome a todos os seus habitantes e com
todos os recursos para isso… sinto-me como a borboleta, com coragem, mas sem
forças.
Quero voar, mas parece que… não tenho asas.
É difícil saber como reagir quando sabemos que no outro lado nem sempre existe sinceridade.
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