terça-feira, 8 de abril de 2014

Condução em Luanda


Lembram-se daquele friozinho na barriga quando puseram as mãos num volante pela primeira vez, e agora toda a gente espera que liguem o carro… e andem? Lembram-se? Era um frio daqueles!
Acho que todos nós nos lembramos. Mas aquilo que não se imagina, é que se volte a sentir isso de novo, na vida… assim, tal e qual como quando fomos a exame de condução, com o inspector ao lado, a pressionar… sem querer, coitadito do ingénuo senhor… ele só pressiona porque existe. A gente até se esquece onde ficam os pedais… e quando o homem abre a boca, todo o mundo pára para o ouvir e rezar, mesmo os não crentes, que a sorte (sorte ou trabalho, questão polémica que fica para outros posts) do ‘sim está aprovado’ lhe calhe.
Conduzir em Angola dá um frio na barriga inexplicável. Foi assim que no sábado passado me senti, quando quase por obrigação, tive mesmo de conduzir, sozinha, o carro do António. Tinha de ser. Não havia como contestar. Eu não queria contestar. Andei a pedir a oportunidade por dias. E ela chegou. Enfim, quem sabe do que falo, sabe que foi uma aventura. E pelo facto de ter escapado de todos os obstáculos,  quase mereço um prémio. Carros que se atiram para cima de nós, sem pisca ou com pisca, tanto faz, motas e carros em contramão, zungueiros a venderem de tudo pelo meio da estrada, por entre os carros num balanço incrível entre as tralhas que carregam para vender e os carros todos que se amontoam em 2 faixas de rodagem, que sempre se transformam em 4 porque aproveitam a berma!…
Já está! Comecei a aventura. Agora faltam as derradeiras provas: conduzir à hora de ponta e ficar a suar 3 horas no trânsito, mesmo com o ar-condicionado no máximo; e conduzir à noite, a levar com os máximos nos olhos, a rezar para que ninguém atravesse nas ruas à nossa frente, ruas pouco iluminadas, pois por vezes só se vêem as sombras já quase em cima das pessoas, numa condução a alta velocidade, porque quem abranda (parar dificilmente se pode) leva com um dos carros que vem atrás em cima!...
Não admira os carros aqui andarem todos batidos, carros novos como latas velhas… alguns fazem ruídos incríveis, onde é comum ver pára-brisas rachados.
Aflitivo é que os acidentes rodoviários sejam a 2ª causa de morte em Angola, depois da malária, e o receio das autoridades é que esta causa de morte, ultrapasse as doenças!
Dá frios na barriga… e acreditem que a história de conduzir com mil olhos na estrada, aqui, não chega!
A quem tiver de experimentar: Muito Boa Sorte!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Kandongueiro

- Meninas, vamos às compras?
A Paula de vez em quando tinha umas ideias assim. E lá me convenceu a mim e à Sandra a irmos à loja nova de Morro Bento. 

Só que, chegar até ao fim da rua era duro porque era longe e estava imenso calor. 

Ainda começámos o trajecto, mas rapidamente a Paula levantou o braço e depois explicou-nos:
- Vou pedir boleia a este Kandongueiro.

Fiquei aterrorizada. Quem não sabe, os kandongueiros são os doidos dos taxistas (ou do melhor que se parece), que transportam as pessoas em Luanda e na periferia, quase todas zungueiras, com tudo o que vendem: bananas, ananases, repolhos, animais vivos, cadernos e livros... bugigangas e os filhinhos delas, às costas.

Numa Hiace onde caberiam normalmente 9 pessoas, conseguem amontoar-se 15 ou 20, à pinha, junto com os alguidares carregados.

Mas não ficamos por aqui. Há perigos adicionais a juntar a toda esta panóplia: a velocidade da Hiace é a maior que seja possível ao condutor, e sinais de trânsito? É para esquecer. Não cumprem. É como se não existissem.

A maioria das carrinhas anda com os vidros partidos, especialmente o pára-brisas rachado, e todos amolgados, com buracos de balas, sem pára-choques e outros itens... enfim cada carro é um modelo original, com pelo menos 20 anos de idade, com bancos de cores diferentes, isto é, quando ainda tem estofos. 

A juntar a cor azul e branca, mensagens
no vidro traseiro do mais curioso que possa existir: de teor político, religioso ou anúncios de venda ou de aluguer de casas.

Por isso, enquanto a Paula acenava ao kandongueiro eu perguntava a mim mesma no que me tinha metido desta vez. Já tinha dito a toda a gente que nunca andaria numa coisa daquelas.

A Hiace pára, e eu a acabar de rezar, abro os olhos, e vejo a carrinha vazia. Só o condutor lá dentro.
- Vocês vão lá atrás que eu vou à frente com o condutor.
Eu e a Sandra, a murmurarmos, entramos contrafeitas, aborrecidas pela obediência forçada. Enquanto ouvíamos a Paula a socializar com o condutor, caladas no banco de trás, para ele não perceber que eu era branca e a Sandra mulata, ou a despesa da viagem aumentaria ao nível do disparate.

A Viagem
Foi super interessante fazer aquela viagem. 

O condutor gentil, talvez percebendo o nosso ar de pânico, foi a conduzir o mais calmamente que lhe permitia a rua sem alcatrão e esburacada. 

Lembro-me de ir a olhar pela janela, a saborear a viagem e a observar tudo, sabendo que tão cedo, ou que nunca mais repetiria aquele momento, e desejando ao menos marcá-lo.  

Afinal, tanto pavor e rapidamente a viagem chegou ao fim... da rua. 

O condutor fez questão de nos oferecer o transporte e acenou-nos simpaticamente quando lhe desejamos uma boa viagem.

Essa Viagem Marcou-me
Nunca mais esqueci o medo do desconhecido. Mas a viagem mais complicada onde o terror de que essa viagem me levasse é aquela que há-de vir um dia e que a gente não sabe quando. Aquela que fez a minha avozinha, o meu avozinho, o meu pai e agora a Alexandra. 

Essas viagens sim, dão medo. Não há mensagem religiosa que traga consolo. Não há trajecto que nos agrade, não há nada que acalme a alma. 

Não quero entrar nessa Hiace, nem obedecer a ninguém, por mais confiança que mereça... mesmo sendo uma viagem gratuita e sem alguidares, será sempre desconfortável.

Na aflição que esse condutor desconhecido me trás, só me apetece... aprender a saborear cada paisagem, a sorrir como a Alexandra fazia, mesmo em sofrimento.

Não sei se sou capaz. Mas sei que quero ser.

Se estava calor no início da rua...
está imenso frio no fim desta mensagem.

(Foto: terravermelhada.blogspot.com)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Alto... e Pára o Baile!

Se pensam que em Angola encontram um povo triste, deprimido pela guerra, e pelas condições de vida muitas vezes deploráveis... desenganem-se. Sorrisos e festa é o que se vê mais naquelas ruas. E que festas! Chamam chauanas a uma espécie de churrascos. Aproveitam os pátios interiores, entre os muros das suas casas, para comerem carnes assadas na hora, beberem muitas cucas - a cerveja angolana, e dançarem muito. A noite toda se for possível.
 
Música alta, kuduros e kisombas são obrigatórios. Nestas chauanas em Angola descobri que tenho mesmo o cú duro. Se cá danço que se farta, lá não consigo abanar o rabinho como eles e elas nem com os treinos de um mês! 

Apesar dos elogios simpáticos das meninas e dos meninos: 'A Carla tem jeito!' 'A moça dança!' Eu considero que francamente estou a anos luz de dançar como eles, talvez a mesma distância que eles estão da civilização. Só com muitos meses, anos, daquilo, e talvez lá chegue um dia!

Mas compreende-se porquê. Aquelas crianças começam a dançar de pequeninos! Passamos nas ruas e vê-mo-los, a abanarem-se ainda mal se põem de pé. Não têm brinquedos. As brincadeiras de rua não são só as mais baratas, mas as mais acessíveis.

De facto, no geral dos angolanos, a música escorre-lhes no sangue! Mas, também digo-vos que nem todos os locais sabem dançar. Houve sempre algumas mulheres e alguns homens que garantiram, e alguns até provaram, não saber dançar mesmo! São as excepções.

Mas quando dançam, é até cairem. Houve uma noite em que o motorista, depois de uma chauana, tentou sentar-se na mota e ía morrendo ali mesmo. Pois, teve de ser escoltado a casa. Não foi da dança concerteza. Mas aquelas cucas!... são duvidosas.

O entusiasmo é enorme. Festa é lá com eles. Todos comparecem, qual religião se tratasse. Filhos? Podem esquecer! A chauana está em primeiro lugar nessa noite. Aliás, o melhor sistema para se conseguir comparência de 100% a uma formação de trabalho, é marcar uma chauana. Falta experimentar se o abandono ao trabalho não diminuiria com uma chauana diária. Isso é que era!

Mas, o entusiasmo tem limites. A determinada altura os colegas do Pedro chamaram-nos e disseram-nos uma pérola inesquecível: "Pedro, agora que vens para Angola, a Carla já não é mais tua esposa! É a nossa esposa!"

Alto e pára o baile!
"Com'é?!" Foi a melhor maneira de aprender a falar como eles! A piadinha dos angolanos! Já viram?! 

Pois essa é a outra onda de Angola. São muitas mulheres. Muito poucos homens. Morreram muitos na guerra, facto inegável. Porém, eles têm um sonho: acreditam que para cada angolano existem 15 mulheres, como diz o Mário, um sobrevivente. É mais ou menos como as 70 virgens para os afegãos, numa versão mais light. A guerra faz mesmo muito mal às cucas das pessoas!

Mas olhem que elas também são frescas para assar! Não são só os homens que são perigosos. Em Angola, Luanda mais concretamente, elas são muito saídas das cascas. Mas muito mesmo. É por isso que uma pessoa tem de ter vigilância sobre o que é seu. Ou então é roubado!...

E não estou a falar de sapatos giros.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Borboleta Sem Asas


Tinham-nos avisado que o limpa pára-brisas do nosso carro devia ter bastante água na aproximação a Ndalatando, na viagem às quedas de água, por causa de uma espécie de praga de borboletas.

Na ida, fomos recebidos por um bando de borboletas de cor pérola, lindíssimas, que a juntar às outras experiências da viagem, queriam fazer-nos acreditar que estávamos a viver uma utopia. 

No regresso a casa, surgiram borboletas diferentes, de cor castanha e cobre, muito maiores, igualmente lindas, mas mais aventureiras. Uma bateu-nos com força no pára-brisas, vinda de surpresa, o que nos deixou tristes. Não queríamos matar nenhuma. Muito menos ficar a vê-la durante toda a viagem!

Quando parámos o carro, porém, a borboleta mexeu-se e a esperança de a recuperar também. Era muito difícil mas agarrei nas asas com o máximo cuidado que se pode ter perante aquela fragilidade e retirei-a de lá. Fiquei a segurá-la na mão, a aguardar sinais de vida, enquanto metade da minha sande do almoço, entretanto interrompido, ficara no assento esquecida, eu olhava a mão. 

A borboleta tentava voar, batendo as asas freneticamente, com vontade de viver, mas sem grandes possibilidades. Tinha coragem, mas não tinha forças. 

Fiquei a observá-la enquanto aguardava que o Pedro abastecesse para, na próxima oportunidade, poder devolvê-la à natureza, a quem pertence.

Bateu-me no vidro uma mulher jovem. Chamou-me mulata e pediu-me a sande que viu no meu assento. De forma directa disse-me “eu tenho fome e tu tens aí isso, podias dar-me!”

Não sei explicar porquê mas não me mexi. Não sei se por causa da forma directa e objectiva com que ela se dirigiu a mim, se por causa da fragilidade da borboleta e da minha, não me mexi.

Hoje não me apeteceu jantar… Fui para a cama… Caiu uma lágrima.

Nem sempre podemos voltar atrás para corrigir uma reacção. Fiz o que devia ter feito no caso da borboleta… mas quando olhei de novo para o lado, a mulher já lá não estava. Não posso deixar de partilhar a tristeza, a frustração, por não ter agido imediatamente para matar a fome, como para ajudar uma borboleta que o mais provável é não ter sobrevivido. 

Eu podia ter ficado sem o resto da sande o resto da tarde… será que ela conseguiu almoçar? E será que alguém a vai ajudar amanhã? 

Enquanto a borboleta cabia na minha mão… isto já não cabe.
 
Fazer alguma coisa em África, não é fazer o suficiente. Num continente com tantos recursos naturais, com tanta possibilidade de auto-subsistência, riquezas como petróleo, ouro e diamantes… porém com tanta ganância humana!

Num mundo com a capacidade de matar a fome a todos os seus habitantes e com todos os recursos para isso… sinto-me como a borboleta, com coragem, mas sem forças.

Quero voar, mas parece que… não tenho asas.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A Caminho de Kalandula


Não provoca arrependimento algum, acordar cedo para conseguirmos fazer os 420km desde Luanda por terras desconhecidas, parte em terreno esburacado, outra em terreno picado, para lá chegar antes do sol se pôr.

Só o atrevimento em enfrentar as forças policiais, que fazem tudo para nos arrancar ‘gasosas’, são um verdadeiro acto de coragem. Como nos dizem os locais, é uma questão de adaptação. E com o hábito, de facto acabámos por ser nós a dar-lhes a volta com pouquíssimos míseros Kwansas, e apenas e unicamente quando nos pediam de forma directa. Sempre que procuravam subterfúgios para inventar uma infracção, nós insistíamos até ao fim, estóicos na nossa razão e vencemo-los pelo cansaço. Acabámos os dois a rir de tudo isto.

Chegámos a NDalatando e ficámos espantados com a vista deslumbrante de uma cidade rural, em que as casas térreas, feitas de tijolos artesanais, são todas da cor do pó, vermelhas, e recebem o sol da tarde, que espelham por toda a montanha que se ergue por cima das casas, criando uma cidade da mesma cor, cercada de árvores, a maior parte Palmeiras.

Fica uma imagem mágica à chegada, inexplicável.

Depois de uma visita de carro pela cidade, por umas casas da época colonial, encostámos o carro antes da rotunda com o busto da Rainha Jinga, a Rainha Africana, que queria ser considerada um Rei.

E quando pensávamos começar a comer, apareceu-nos uma criança na janela do carro a dizer-nos adeus. Pequenina, acenava, de cara triste e suja e olhando para a nossa comida, num gesto sem nenhuma palavra, possivelmente incapaz de as proferir, indicou-nos que tinha fome. Dividimos o lanche, e ficámos felizes por podermos contribuir para um sorriso de quem parecia nunca ter visto uma simples bola sem creme.

Estas são as coisas más de África, as mais difíceis de suportar e impossíveis de esquecer.

Prosseguimos pensativos até Cacuso.

A paisagem é uma loucura. É quando se tem a noção de que Angola é imensa. Varia entre o árido da savana, e a floresta tropical. Várias árvores fabulosamente diferentes. Nunca havíamos visto todas aquelas variedades. É indiscritível a magia destes locais. De repente um grupo de meninos, bem pequenos, saem da floresta e é quando reparamos numas casas dentro da floresta diferentes de todas as que havíamos visto até aqui. Junto ao rio as mães lavam mais roupa enquanto a já lavada, seca estendida nos arbustos, e do outro lado da estrada, duas senhoras sobem do rio, carregando à cabeça alguidares cheios de loiça luzidia, acabada de lavar.

Há de tudo em África, até uns meninos da floresta, nos fazem acreditar que vivemos um fim-de-semana num conto de fadas.

Ao passar por eles na estrada, levantámos as mãos a acenar-lhes e foram-nos retribuídos eufóricos acenos, uma grande algazarra e inúmeros sorrisos. Parece que não passa ali muita gente que os veja.

Brincam com as coisas mais simples. Serve uma roda de uma bicicleta e um pau para se divertirem numa tarde. Um sorriso gigante prova que há muito mais alegria numa brincadeira simples que num jogo de playstation, ou numa grande casa de bonecas.

Chegámos a Malanje, onde dormimos essa noite.

De manhã percebemos que alguém proactivamente nos tinha lavado o carro e aguardava uma pequena retribuição que agradeceu muito. Seguimos para as Quedas a cerca de 80 km dali apanhando um troço da estrada em obras. Tudo em Angola está em fase de recuperação.

Na estrada muita gente procura vender aos carros que passam comida ou utilidades. À nossa aproximação elevam-nos carnes, uma espécie de ratos da savana - os mangustos, cabras selvagens, fruta, legumes e carvão, que observamos enquanto passamos, é quase como diz o Pedro como quando passamos nas prateleiras do supermercado.

Chegámos e percebemos logo que, quando se diz que Angola tem paisagens de cortar a respiração, este é certamente um desses lugares.

Até ao ano em que eu nasci, 1975 na época colonial, eram conhecidas como as Quedas do Duque de Bragança. São agora chamadas de as Quedas de Kalandula.

O Rio Lucala, o mais importante afluente do rio Kwanza é o responsável por esta maravilha natural, as segundas maiores cascatas de África.

São uns impressionantes 410 metros de extensão de água a precipitar-se de uma altura de 105 metros. E em vez de um arco-íris, recebeu-nos com dois. Mas é melhor verem as imagens que partilho aqui convosco, para poderem confirmar o quão magníficas são estas quedas!

Vou tentar carregar igualmente um pequeno vídeo aqui, em breve.

Para já, sigam este link para um vídeo que encontrei no youtube: 
http://youtu.be/7NYAvZ1D6kE?hd=1

terça-feira, 14 de agosto de 2012

De Volta à Cidade da Luz

A chegada ontem a Lisboa foi fabulosa. No avião, ainda no céu, observei o mar, o Rio Tejo, Palmela, o Cristo-Rei, as Amoreiras, as Torres da Expo… e aterrámos.
  
De uma luz sem igual, a primeira coisa que retirei da mala, foram os óculos de sol. É tão linda a nossa cidade da luz.
Fui recebida com calor e muitos sorrisos e abraços no aeroporto de Lisboa. De facto é maravilhoso estar de volta!

Nas ruas o trânsito de uma ordem fenomenal, até faz confusão. Já tinha saudades de ver conduzir com tanta beleza, ordem e civismo. Se alguém me disser mal da condução em Portugal, ficam desde já avisados, que é imediatamente recambiado para África!

A luz é imensa. Se o Sol brilha para todos, aqui ele ilumina de uma luz clara sem igual. É branca, reflecte na calçada portuguesa e espalha-se por todo o lado.

A viagem foi deliciosamente escolhida pela Ponte Vasco da Gama pelo sogro, que conduziu exemplar como sempre, até Palmela. O Parque das Nações e a Ponte que condizem, com a paisagem futurista, projecto da Expo, mostram-me uma cidade fabulosamente avançada. Assim como Luanda deseja ser…

E recordo as palavras do Hélder quando me disse uma noite em Luanda, numa chauana (ainda vos vou contar um destes dia o que são chauanas) ‘Angola quer imitar Portugal em tudo, até no código penal!’ Mas a verdade é essa, Luanda está a surgir como uma cópia do nosso país. Daí a mão-de-obra estar a ser recrutada de cá. Precisam de nós mais como professores. Tanto que têm de aprender, porém.

As primeiras transacções comerciais cá e eu sinto uma felicidade extrema. Levar o carro à inspecção e ser atendida por uma portuguesa na recepção, e por técnicos portugueses. E no café ‘desejam mais alguma coisa?’, perguntou a senhora. ‘Oh sim, por favor, um copo de água!’ O que eu gosto de beber o meu café e um copo de água. Saudades. Coisas simples mas que em Angola não se podem fazer! Nem pensar em beber água da torneira! ‘Quanto lhe devo?’ pergunto, ‘Um Euro e dez cêntimos.’ E eu paguei e sorri. Foi tão satisfatório voltar a pagar em Euros. ‘Cheguei a casa’, é o meu pensamento.


Estranhei logo o primeiro estabelecimento em que entrei em Palmela, a padaria. Estava um cliente a ser atendido por uma portuguesa. E na nossa vez, nem foi preciso repetir o pedido. Em Angola eu tenho de repetir tudo o que peço pelo menos mais uma vez… e às vezes, muitas vezes, sou tão questionada que acabava por responder ‘deixe lá! Obrigada!’, desistia e ia embora.

Há aquelas pessoas que falam mal português. Mas, no meu caso, parecia que eu falava bem demais! Muitas vezes não nos entendem. A primeira coisa portanto que aconselho os angolanos a aprenderem, é a nossa língua.

Nesta altura, devem de estar os estimados leitores a pensar de mim: 'que horror! está a ser tão mazinha!'

Devo portanto partilhar convosco a minha experiência ao aterrar em Lisboa. Ouvi um senhor angolano, vestido de executivo, perguntar a um jovem angolano, 'estás cá em Lisboa a estudar?! Muito bem! E depois vais trabalhar para Angola, que é para nós dizermos aos tugas de uma vez por todas 'vá, vão lá embora de volta para o vosso país!'... ouvi isto, passei por eles, inclinei a cabeça e sorri. São muito poucas as pessoas que identificariam no meu irónico sorriso amarelado o meu pensamento, 'ainda faltam muitos anos para esse fenomeno acontecer!'


Mas, é uma sensação ainda de vazio… é como se estivesse descalça de novo… mas desta vez de uma outra forma, porque mais do que sapatos... falta uma parte de mim.

Eu só regresso mesmo a mim... daqui a um mês e uma semana…

São uns longos quarenta dias que vão custar uma eternidade a passar!